O poder e a caneta de Delfim Netto

Ciro Dias Reis, CEO da Imagem Corporativa 12 de agosto de 2024
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Antônio Delfim Netto será sempre lembrado pelo seu papel de homem forte da economia brasileira nos governos dos generais Emílio Garrastazu Médici entre 1969 e 1974 (como ministro da Fazenda) e João Baptista Figueiredo entre 1979 e 1985 (ministro do Planejamento).

Empresários e executivos de grandes empresas sabiam que o poder concentrado em suas mãos lhe permitia desde avalizar a criação de uma nova empresa estatal até aprovar o aumento nos preços da carne ou dos automóveis. Ou ainda dar sinal verde para um empréstimo externo destinado a compra de equipamentos ferroviários no mercado internacional.

Esse poder emanava tanto de seu gabinete em Brasília como das chefias de organismos federais que, direta ou indiretamente, faziam parte de sua órbita de influência. Mesmo estruturas técnicas vinculadas formalmente a outros ministérios nunca deixavam de considerar a variável Delfim em determinadas circunstâncias e decisões. Mesmo por quê, sempre que o assunto fosse investimentos governamentais ou captação internacional de recursos com aval de Brasília, era da caneta do poderoso ministro que todos dependiam.

O ministro era o chefe (formal ou informal) de diversos economistas do governo que seguiam plenamente suas orientações e por isso acabaram sendo, jocosamente, apelidados de “Delfim boys”.

No sistema solar de Delfim Netto, havia uma verdadeira profusão de siglas, umas mais e outras menos próximas do astro rei, mas todas sempre ao seu alcance de uma forma ou de outra.

Entre elas: Sunab (Superintendência Nacional de Abastecimento); CIP (Conselho Interministerial de Preços); Portobras (que administrava os portos do governo e se encarregava da política nacional do setor); DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem); Siderbras (Siderurgia Brasileira S.A., holding estatal do setor siderúrgico), Sunamam (Superintendência Nacional da Marinha Mercante), Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária).

O governo federal dos tempos de Delfim Netto era o maior empresário do país, com participação em uma infinidade de atividades econômicas nas quais se investia como se não houvesse amanhã. Isso aconteceu graças ao dinheiro barato captado ao longo dos anos 1970 em um mercado internacional de alta liquidez e juros baixos que viu a maré virar depois de dois choques do petróleo. A alta até então nunca vista nos preços do petróleo geraram recessão global, aumento significativo das taxas de juros e sufocamento das finanças de um Brasil pego no contrapé, altamente endividado e com o caixa vazio.

O ex-ministro também será lembrado por frases antológicas do tipo: “Dívida externa não se paga; se rola (justificando as seguidas renegociações e repactuações da dívida brasileira com credores internacionais nos anos 1980); “Primeiro é preciso fazer o bolo crescer para depois repartir” (visando justificar um aperto na política salarial controlada pelo governo e acenando com uma possível compensação futura); “Podem ficar tranquilos. Apesar das besteiras que fazemos nós não vamos conseguir acabar com o Brasil” (enfatizando sua visão de que o país sempre acaba superando os piores momentos de suas cíclicas crises).

Mas ao abordar a trajetória de Delfim Netto no governo, fala-se menos do que se poderia sobre decisões drásticas (e polêmicas) tomadas para tentar frear momentos de verdadeira encruzilhada da economia do país. São suas as digitais sobre as decisões de dezembro de 1979 e março de 1983 de determinar maxidesvalorizações do (então moeda nacional) cruzeiro. Cada uma dessas maxidesvalorizações foi de 30%, feitas com intuito de frear bruscamente as importações (o país praticamente não tinha mais dólares em suas reservas para pagá-las) e incentivar as exportações (capazes de multiplicar os dólares necessários a oxigenação das finanças nacionais).

Empresários com dívidas vinculadas ao dólar ou quebraram ou ficaram em situação de extrema vulnerabilidade. Exportadores festejaram pelo extraordinário ganho de competitividade do dia para a noite.
Foi essa visão do ex-ministro (depois cinco vezes deputado federal) que levou a criação do jogo de palavras que se transformou em um dos mais conhecidos slogans de visão nacionalista da era dos governos militares: “Exportar é o que importa”.

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