1950 e 2025: dois mundos diferentes para dois momentos de uma Europa na encruzilhada

Ciro Dias Reis, Palestrante; fundador e CEO de Imagem Corporativa e Walk4Good 18 de agosto de 2025
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Foto: Ross Findon/Unsplash

“A paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criativos à medida dos perigos que a ameaçam”. “A contribuição que uma Europa viva e organizada pode dar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas”. “A Europa não se fará de uma só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de fato”.

As frases, ditas em maio de 1950, são de Robert Schuman, então ministro francês dos Negócios Estrangeiros. Foi ele quem apresentou proposta de uma efetiva reaproximação de França e Alemanha no pós-guerra por meio da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, movimento que tornaria ambos países interdependentes em relação aos dois produtos essenciais, afastando assim os riscos de novas disputas no futuro.

O chamado “Plano Schuman” foi importante para pavimentar o caminho em direção a uma Europa integrada, destinada a garantir relações pacíficas entre os países de uma região que, palco tradicional de diferentes conflitos ao longo dos séculos, saia esgotada do esforço militar da década anterior.

Mas se aquele 1950 foi marcado pelo esforço da reconstrução temperado de alívio e alguma dose de otimismo, 75 anos depois o cenário é diferente. As nuvens carregadas aparecem em diferentes dimensões, simultaneamente.

No pós-guerra os recursos financeiros americanos do Plano Marshall irrigaram a economia europeia para que ela voltasse a crescer, mas hoje é uma interrogação a disponibilidade de dinheiro necessário para atender as demandas da região nas rubricas econômicas, sociais, institucionais, geopolíticas & militares (neste caso, decorrência direta do olhar interessado de Moscou sobre o continente),

Há quase um ano o ex-primeiro ministro italiano Mario Draghi entregou a  presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, um relatório a ele encomendado sobre o futuro da competitividade europeia. O documento trazia vários alertas e sugestões de novas abordagens para que o bloco pudesse revigorar o papel protagonista da região, iniciativa importante para oxigenar o ambiente político da região.

Uma anedota do mundo corporativo costuma mencionar que no tocante a produtos e serviços os americanos inventam, os chineses copiam e os europeus regulamentam. Agora, o desmoronamento do multilateralismo e de um ambiente de regramentos amplamente estabelecido obriga a Europa a revisitar algumas premissas amplamente consolidadas em seus domínios.

E esse movimento acontece simultaneamente a nova tarifa de 15% imposta pelos Estados Unidos sobre as exportações europeias, que adiciona nova camada de preocupações para Bruxelas.

Não fossem suficientes tantas variáveis sobre a mesa, a Europa precisa lidar também com o sensível cenário relativo aos minerais críticos, considerados cruciais para a inovação tecnológica e a transição para energias renováveis (carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, por exemplo).

Isso porque a demanda por esses minerais deve crescer, segundo estimativas,  cinco vezes até 2040 e a União Europeia tem capacidade para alcançar meros 7% da produção mundial. Enquanto isso, detentores de reservas relevantes como China e alguns países da América do Sul, por exemplo, se mostram numa posição muito mais confortável nesse cenário para suprir suas próprias necessidades.

É bem verdade que a UE tem procurado ampliar o acesso a minerais críticos via negociações de acordos comerciais. O problema é que uma conjunção de fatores está dificultando os avanços nessa direção. Exemplos são o desejo de protagonismo e senso de oportunidade por parte daqueles territórios detentores de reservas relevantes; o ambiente de disputas comerciais e tarifárias que dificultam as exportações; a falta de um foro funcional para abrigar e arbitrar disputas entre países (em cenário de uma Organização Mundial do Comércio esvaziada e enfraquecida).

O governo americano expressa sem meias palavras o desejo de garantir ao país e suas empresas o acesso a minerais críticos e utiliza esse quesito como elemento importante de sua política externa. Mas a Europa é um organismo de movimentos programados, estudados e nem sempre ágeis, que ao longo do tempo produziu regramentos nas esferas ambiental, social e de governança e sempre buscou acomodar sensibilidades políticas. Tal miríade de variáveis acabou dificultando a presença de empresas da região na cadeia de suprimentos daqueles elementos hoje vitais.

Roberto Schuman dizia em 1950 que para garantir uma Europa unida seriam fundamentais as “realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de fato”. Hoje, embora a solidariedade seja praticada no continente em diferentes contextos, ela nem sempre alcança toda superfície do tabuleiro de xadrez do continente.

O relatório de Mario Draghi apresenta com clareza deficiências de determinados mecanismos da União Europeia. Um deles é a necessidade de reduzir a burocracia do bloco; outro, a premência de avançar na integração continental em setores que demonstram algum nível de resistência a esse movimento, como as áreas de defesa, energia, telecomunicações e finanças.

O ex-primeiro ministro italiano defende que é preciso acelerar os processos de mudança. Mas os ritos da UE para tomadas de decisões nem sempre ajudam. Em geral exigem-se debates e validações em diferentes instâncias do bloco, e anos podem se passar até que se possa bater o martelo.

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