Estudo da Universidade da Georgia em parceria com a Imagem Corporativa rastreou crises brasileiras que pautaram a imprensa de outros países entre janeiro e setembro deste ano
“Brasil” e “crise” são termos que se combinam com alguma frequência. Durante o período pandêmico, por exemplo, o fenômeno se intensificou. Rastreamento da Imagem Corporativa em plataformas digitais dos veículos de comunicação do país (excluindo-se redes sociais) mostra que, em percentual, a associação entre as duas palavras dobrou no noticiário entre 2019 e 2020 (de 6% para 12%).
O pico da correlação foi em março de 2020, quando em declaração oficial o ex-presidente Jair Bolsonaro classificou como “gripezinha” os sintomas provocados pela COVID-19, criticou normas de segurança sanitária e entrou em confronto com governadores que instituíam o isolamento social.
Nos dois anos seguintes, a tendência perdeu força com queda aproximada de quatro pontos percentuais a cada 12 meses. Em 2023, pela prévia até setembro, o patamar mantém-se estável, mesmo que o início do ano sugerisse o contrário em função de três episódios de peso: os atos antidemocráticos de 8 de janeiro contra os três poderes da República, a crise humanitária em território Yanomami e o escândalo financeiro das Americanas, que carregaram de conteúdo negativo o noticiário nacional em janeiro.
Na cobertura estrangeira não foi diferente. Estudo da Universidade da Georgia (EUA), contratado pela Imagem Corporativa, monitorou de janeiro a setembro deste ano as crises brasileiras que receberam atenção da mídia em língua inglesa. Tanto a manifestação antidemocrática de Brasília quanto a questão do garimpo ilegal em terras indígenas destacam-se acima da média em cerca de 12 mil artigos rastreados.
Os picos de cobertura, no entanto, referem-se ao posicionamento do Brasil em relação à guerra entre Russia e Ucrânia, especialmente na reunião do G20 que aconteceu no início de setembro em Nova Delhi, na Índia. Destacam-se notícias sobre eventos de Lula no exterior, como a cúpula sobre mudanças climáticas na França em junho e visita a Joe Biden na Casa Branca em fevereiro, quando as crises ambiental e democrática também foram discutidas.
O escândalo das joias relacionado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, assim como o esquema de apostas online que aliciou jogadores de futebol do país aparecem concentrados na cobertura em dias específicos. Na esfera corporativa, denúncias de trabalho análogo à escravidão se diluem, enquanto uma reação de grupos ambientalistas à intenção da JBS em listar ações na Bolsa de Nova York ganha espaço especialmente no terceiro trimestre.
No entanto, nenhum outro caso que envolva empresas brasileiras teve tanto destaque na mídia estrangeira em 2023 quanto a fraude bilionária no balanço da Americanas S.A. O relatório enfatiza que “a grande cobertura da crise na varejista é notável não apenas em termos de número de histórias, mas também por sua continuidade muito depois que ela emergiu”, em janeiro.
A cobertura do escândalo no exterior fez o noticiário corporativo sobre crises no Brasil, somado ao de política, superar 51% das menções. Segundo estudo da IC, na mídia nacional crises políticas ocupam 31% do espaço editorial e as corporativas 19%. Crises sociais como fome e pobreza ocupam 24% do conteúdo.
Nos veículos internacionais, foram mais 2.500 menções à empresa, que acabou arrolando outras marcas no imbróglio, além de abalar o mercado financeiro. A Imagem Corporativa solicitou à universidade um aprofundamento no caso Americanas e o resultado é um roteiro detalhado dos reflexos do escândalo em diferentes esferas, com respostas que colocam a gestão da empresa na berlinda e enfatizam as reações da Justiça e do legislativo brasileiro.
A cobertura se estende desde fato relevante divulgado em 11 de janeiro, passando pelo pedido de recuperação judicial da empresa, com citações a credores como Bradesco, BTG Pactual, Santander, até questionamentos sobre auditorias da KPMG e PwC. Ficam também acima da média menções aos desdobramentos da CPI instaurada na Câmara dos Deputados e à guerra de versões e transferência de responsabilidades entre ex-executivos da empresa, acionistas da 3G Capital e conselheiros.
A grande maioria dos artigos sobre o tema (mais de 60%) é de veículos dos EUA. E, por conta da mediação técnica do jornalismo profissional, 80% são matérias neutras, ou seja, basicamente informativas segundo classificação da Universidade da Georgia. A taxa de noticiário negativo é de 19%, índice que fica abaixo da média de crises do Brasil de um modo geral (23%). Uma hipótese para o fenômeno é a mobilização de esferas política e legais na resposta ao episódio.
Tendência diferente se observa em relação a outro caso sobre o qual a Imagem Corporativa também solicitou mais detalhes – o resgate de trabalhadores em condição análoga à escravidão em vinícolas de Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul. O número de menções ao episódio na imprensa estrangeira é bem inferior ao observado no caso da Americanas – apenas 200 artigos, concentrados especialmente entre fevereiro e março deste ano.
A cobertura é crítica, com 26% de conteúdo considerado negativo, enfatizando um cenário trabalhista degradante, com alerta para números “devastadores” da “escravidão moderna” no Brasil. Um estudo da UFMG é citado e mostra que de 2.679 pessoas ou empresas acusadas de trabalho escravo entre 2008 e 2019 no país, apenas 4,2% foram condenados e tiveram o veredito confirmado em segunda instância.
O relatório destaca marcas envolvidas na crise como Aurora, Salton e Garibaldi, além de trazer trechos de matérias que alertam sobre o interesse político: “… em 2014, o Congresso Nacional aprovou uma Reforma Constitucional ao artigo 243 que inclui o uso de trabalho escravo como motivo para desapropriação de terras. No entanto, a Reforma ainda não foi regulamentada e é sempre vetada pelos deputados da bancada ruralista”
A afirmação nesse caso contrasta com o desempenho do governo em outras frentes que, segundo a pesquisa, “eventualmente se posicionou como um ator positivo no combate a crises ambientais, sociais e de fraudes financeiras”.