Monitorar o potencial de adaptação do cidadão em ambiente de mudanças das políticas públicas é diferencial para o mercado
Duas pesquisas divulgadas nas últimas semanas nos EUA refletem paradoxos da economia americana e incomodam aqueles que limitam o debate à análise de variáveis macroeconômicas, sem considerar na equação vetores de composição da opinião pública.
Com mais de 11 mil entrevistas realizadas junto à população adulta do país, o Federal Reserve (FED), Banco Central dos Estados Unidos, revelou no final de maio queda importante na percepção de bem-estar dos americanos em 2022, mesmo com redução do desemprego para patamares de período pré-pandêmico. Isso depois da instituição ter aumentado a taxa de juros no início do mês.
O índice dos que classificam sua condição financeira como pior do que em 2021 cresceu 15 pontos percentuais – de 20% para 35% em 2022. No entanto, o desemprego nos EUA, que superou a marca de 14% no pior momento da pandemia em 2020, fechou 2022 em 3,6% proporção que mantém até hoje.
Para explicar a aparente contradição, o percentual dos que relatam saldo positivo entre renda e despesas mensais caiu seis pontos em 2022 (de 55% para 49%). Inflação e poder de compra dos salários têm correlação com o fenômeno, mas a composição da renda das famílias também mudou – em 2020, 14% recebiam benefícios sociais vinculados ao desemprego, índice que caiu para 9% em 2021 e apenas 2% em 2022.
A outra pesquisa, do instituto Gallup, com coleta dos dados mais recente, também mostra a insatisfação dos americanos com mudanças que creditam à inflação. A maioria dos entrevistados (61%) admite algum grau de dificuldade financeira em abril deste ano – a taxa é superior em seis pontos percentuais à verificada em novembro de 2022 (55%).
Questionados sobre o principal problema da família, 35% mencionam o alto custo de vida, um recorde na série histórica de 18 anos do instituto, mesmo com a inflação em desaceleração no país por 10 meses consecutivos.
No relatório do Federal Reserve, há uma observação no bloco de perguntas sobre crédito estudantil, que sugere o papel da opinião pública no acompanhamento do cenário econômico: “uma questão importante para monitorar o comportamento do consumidor é como os indivíduos ajustariam seus gastos em resposta a possíveis mudanças políticas que afetam suas vidas financeiras”.
No Brasil, diante de alterações significativas em políticas públicas do novo governo, torna-se fundamental o monitoramento dessa espécie de darwinismo econômico. Eventuais oscilações na segmentação dos brasileiros segundo saúde financeira e vulnerabilidade social podem compor a discussão sobre o futuro da taxa de juros, por exemplo.
Para o mercado, o Tracking seria um avanço na compreensão de outras variáveis da opinião pública que não só as de “horse racing polling” dos períodos eleitorais, visitadas a cada quatro anos sem explorar na totalidade o potencial estratégico que iniciativas desse tipo detêm.