Interesse elevado por I.A. demanda ética e responsabilidade no mundo corporativo

Alessandro Janoni é diretor de pesquisas e tendências na Imagem Corporativa 27 de setembro de 2023
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Na era do caos, empresas preterem atributos essenciais da força de trabalho ao priorizarem tecnologia de ponta

O “mundo BANI” pós-pandêmico pede empatia, crescimento sustentável e ampliação dos padrões ESG.  As empresas então respondem com … inteligência artificial?! Estudo da Imagem Corporativa com base no relatório de 2023 sobre o Futuro do Emprego do Fórum Econômico Mundial mostra que apesar da esfera corporativa identificar mudanças climáticas, sociais e econômicas como importantes vetores de transformação do ambiente de negócios para os próximos cinco anos, o avanço tecnológico é, no entanto, o tópico que mais cresce no plano de requalificação para a força de trabalho em período equivalente.

BANI é um acrônimo para Brittle (frágil), Anxious (ansioso), Nonlinear (não linear) e Incomprehensible (incompreensível), criado pelo antropólogo norte-americano Jamais Cascio, para descrever o atual espírito do tempo, marcado por mudanças radicais, rápidas, com grande sensação de insegurança, impotência e incertezas sobre o futuro.

O aquecimento global e a pandemia de COVID-19 são exemplos de fenômenos que intensificam essas percepções e, segundo o autor, demandam à sociedade e às empresas, adaptação, flexibilidade, criatividade, aprendizagem constante, improvisação, pensamento sistêmico, resiliência e empatia. Ou seja, um mundo mais humano para enfrentar a era do caos.

No levantamento do Fórum, realizado junto a mais de 800 empresas em 45 países há um diagnóstico correlato aos sintomas BANI – a “transição verde”, por exemplo, aparece como o mais importante catalisador para novos empregos nos próximos anos, enquanto variáveis econômicas devem ter impacto negativo no quesito.

A grande maioria (81%) elege a implantação ampla das responsabilidades ambientais, sociais e éticas do padrão ESG como macrotendência para os próximos cinco anos, assim como investimentos para facilitar a transição verde do negócio (69%), consumidores mais focados em questões sociais, ambientais (68%) e adaptação operacional em função de mudanças climáticas (65%).

Essas tendências, especialmente as que se referem à adoção dos padrões de economia sustentável, apresentam saldo de otimismo superior a 50 pontos percentuais quanto à probabilidade de gerarem empregos. No extremo oposto, o baixo crescimento global, os aumentos dos custos de vida dos consumidores e de insumos para as empresas marcam escores negativos quanto à expectativa na criação de vagas.

A tecnologia fica no meio do caminho entre o otimismo da transição verde e o pessimismo quanto à economia. A grande maioria das empresas aposta em inovações de ponta e na ampliação do acesso digital em suas plataformas (86% em ambos os casos), mas o impacto sobre a força de trabalho não é tão positivo quanto o dos padrões ESG.

Se o diagnóstico sobre macrotendências do ambiente corporativo parece aderir ao espírito do tempo, o que as empresas planejam a partir daí nem tanto.  A importância de algumas habilidades caras ao mundo BANI, como aprendizado ao longo da vida e pensamento sistêmico até são percebidas como importantes para o futuro (diferente de outras essenciais como gestão ambiental e cidadania global, que são negligenciadas), mas não necessariamente estão entre as prioridades para requalificação e aprimoramento da força de trabalho.

Uma análise hierárquica por meio de atribuição de escores feita pela Imagem Corporativa nos rankings de habilidades e requalificações mostra que Inteligência Artificial e Big Data é o tópico que mais se destaca nos investimentos em requalificação, enquanto o pensamento sistêmico e capacitações éticas não recebem a importância que deveriam nos planos das empresas.

Cruzando-se as características da força de trabalho em 2023 com o que as empresas projetam para 2027, de fato há um gap tecnológico a ser equacionado, mas sua priorização no (Re-Up) skilling é sobrevalorizada em relação a atributos também deficitários e fundamentais, como o pensamento sistêmico, cidadania global e gestão ambiental.  Ou seja, as empresas adotam inteligência artificial sem antes garantirem repertório cognitivo e ético para manipulá-la.

Os efeitos desse fenômeno sobre o mercado de trabalho projetam-se na forma de maior insegurança e baixo engajamento. No monitoramento anual do instituto Gallup em mais de 160 países, a taxa da população economicamente ativa que se revela engajada no emprego é de apenas 23%. Boa parte dos entrevistados (44%) relata estresse no local de trabalho e metade (51%) está em busca de uma nova oportunidade no mercado.

Na pesquisa, os trabalhadores indicam o caminho para o engajamento – 41% citam melhorias na cultura organizacional, com maior respeito, aprendizado, estímulo à criatividade, escuta ativa e reconhecimento. Outros 28% referem-se a pagamentos e benefícios justos enquanto 16% citam variáveis relacionadas à percepção de bem-estar como “levar a sério a saúde a vida dos funcionários”.

No Brasil, a pesquisa do Fórum Econômico Mundial revela uma economia abalada por baixo crescimento global, mas que fica acima da média na transição verde do ambiente de negócio, na ampliação de padrões ESG e atenção às mudanças climáticas. Em relação a gigantes culturais como EUA, China e França, é o único país onde as empresas relacionam gestão ambiental entre as 10 mais importantes capacitações para a economia. No entanto, dentre os quatro, é o que menos se mostra inclinado a Lifelong Learning – uma oportunidade, considerando-se que na corrida tecnológica, a sabedoria humana talvez se torne o diferencial do futuro.

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