Foto: Melissa Bradley/Unsplash
Katrina.
Difícil esquecer o nome do furacão que, exatos 20 anos atrás, atingiu a Costa do Golfo do México, nos Estados Unidos, e cujo impacto inusitado deixou sequelas e lições. E também é difícil deixar de relacionar tragédias como aquela às mudanças climáticas.
Katrina varreu uma área total de 242 mil quilômetros quadrados (equivalente a todo o estado de São Paulo), afetou fortemente o estado de Lousiana e castigou especialmente Nova Orleans. No total morreram 1.392 pessoas, a cidade teve bairros inteiros completamente alagados e milhares de habitantes ilhados durante semanas.
O prejuízo financeiro atingiu 201 bilhões de dólares e as empresas de seguros arcaram com indenizações de 105 bilhões de dólares, dois números recordes. Nova Orleans tinha 460 mil habitantes antes do furacão e logo depois de sua passagem registrava apenas 209 mil, uma vez que grande número de pessoas deixou a região para tentar reconstruir a vida em outras regiões.
Graças a um grande esforço de recuperação econômica e altos investimentos em infraestrutura (apenas em novos diques de contenção foram gastos 15 bilhões de dólares) a cidade ficou mais rica. E seria tentador dizer que conseguiu dar a volta por cima.
Mas não exatamente.
O nível de emprego diminuiu desde então e agora existem 17 mil vagas a menos do que em 2005. Parte dos habitantes que havia partido voltou, mas a população, de 380 mil pessoas, ainda é menor do que há vinte anos.
Mas a população não mudou apenas nos números: hoje há menos afrodescendentes. Eles eram 67% em 2005 e são agora 54% e viram aumentar o gap em relação a população branca quanto a capacidade de adquirir a casa própria.
Por sinal, os preços dos seguros residenciais e de automóveis assustam: subiram em média mais de 30% em 2024 e continuam em curva ascendente ao longo de 2025.
Duas décadas depois, portanto, as marcas do Katrina ainda estão presentes.
Na verdade, Nova Orleans assiste a um processo típico do que se convencionou chamar de gentrificação climática, que ocorre quando existe aumento dos custos de habitação em função de riscos climáticos que se multiplicam. Um desses riscos é a subida do nível dos oceanos (em parte da costa do estado da Flórida o mar subiu mais de 30 centímetros nos últimos 100 anos, segundo dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, sendo que a maior parte desse avanço ocorreu nas últimas três décadas). Mas existem outras variáveis, até mesmo mais comuns: os furacões, tufões, ciclones, fortes tempestades e inundações sempre presentes.
Marés mais altas e ameaçadoras respostas da natureza às mudanças climáticas fazem aumentar os custos de moradia e o valor das propriedades em diferentes geografias do planeta, afetando áreas antes ocupadas por populações de mais baixa renda. Estas, com frequência, são forçadas a se deslocar em busca de locais mais baratos.
Pessoas de alta renda, por sua vez, têm mais opções. Podem se instalar em regiões menos vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas (como terrenos em nível mais elevado, por exemplo). Todo esse conjunto de variáveis já esboça uma significativa mudança demográfica e socioeconômica.
Jess Keenan é o autor do livro “North: the future of the post-climate America”, onde ele afirma que os Estados Unidos estão entrando em uma nova era, marcada por mudanças populacionais que irão transformar diferentes dimensões do país, desde a ocupação territorial ao sistema político. Segundo ele, a dinâmica demográfica será cada vez mais impactada por aspectos econômicos e ambientais.
A COP30 se aproxima e com ela um novo balanço do que países estão fazendo para frear as mudanças climáticas. Por enquanto, os desafios têm se multiplicado mais rapidamente do que as respostas e soluções.