O futuro é, por definição, uma coisa boa – um lugar que vale a pena visitar.
Ou pelo menos costumava ser. Os futuros que temos para oferecer de prateleira não são lá grande coisa – de colapso ambiental a colapso democrático, o futuro não é mais como era antigamente.
O SXSW mudou. Não que isso seja um problema. O festival já teve várias caras ao longo dos anos. Nasceu em 1987 como um evento de música voltado à produção contracultural. Anos depois, adicionou cinema, depois outras artes alternativas e, a partir de 1999, criou uma seção dedicada à arte “multimídia”, o que no jargão da época, significava “conectada à internet”.
Nos 25 anos seguintes, a Internet se tornou parte vital da infraestrutura da nossa vida. E o festival mudou de acordo – a área “SXSW Interactive” acabou praticamente engolindo o evento que deixou de ser um palco para arte contracultural para se tornar vitrine da tecnologia mainstream. Quem frequenta o festival desde seus primórdios reclama, e não é de hoje, que o foco em tecnologia “matou” o evento, tirando palco de artistas desconhecidos para dá-lo para fundadores de startups e executivos de grandes corporações.
Esse mal-estar, que fermenta há anos debaixo dos panos, transbordou em 2025. O mundo da tecnologia, que até ontem era um bastião de valores liberais, trocou de lado e deixou muita gente na libertina cidade de Austin ressabiado.
O tema do keynote de abertura do festival de 2025 foi…. a epidemia de solidão, particularmente entre os jovens. Fica difícil se empolgar com o futuro assim.
Qual o futuro que a edição de 2025 apresentou? Teve inteligência artificial (é claro) e computação quântica, teve cidades inteligentes e taxis sem motoristas, teve discussão sobre o futuro do trabalho, o futuro do lazer, e a economia dos criadores. O que esses temas têm de diferente frente ao que foi apresentado em 2024? Praticamente nada. São as mesmas tendências, os mesmos problemas, e em grande parte, os mesmos palestrantes. Era um futuro de ontem.
Será que é essa a grande lição do SXSW 2025? O futuro virou coisa do passado? A moda agora é ser reacionário, é ansiar pelo passado, um espaço que é conhecido, familiar, seguro?
Se vamos tirar os jovens do seu torpor solitário e engajá-los com as questões urgentes que nos cercam, vamos precisar de futuros melhores do que esses que estão aí. E vamos precisar ter uma discussão séria se queremos futuros pensados por administradores e investidores, ao invés de deixar esse trabalho nas mãos de quem tradicionalmente se ocupou dele: os artistas, os escritores e os filósofos.
Não por acaso, alguns dos assuntos que mais repercutiram na Internet vieram da metade artística do festival. O documentário “Selena y los Dinos”, sobre a vida da cantora Texana Selena Quintanilla, foi ovacionado de pé e recebeu críticas favorabilíssimas. O terror-comédia “Death of a Unicorn”, sobre um empresário que atropela um unicórnio e decide explorar comercialmente as incríveis habilidades curativas da carcaça do animal é uma crítica nem um pouco velada ao que acontece no pavilhão ao lado, e “O’Dessa” é uma ópera rock sobre um futuro pós-apocalíptico que só pode ser salvo pelo poder da música. Nenhuma dessas obras é muito sutil em suas críticas ao mundo moderno, mas talvez a sutileza também tenha que ficar no passado.
O evento já anunciou que, em 2026, o SXSW Music (o evento original de 1987) será dois dias mais curto. O espaço será dado a atrações mais “vendáveis”, numa tentativa de conter a queda anual de participantes. Isso significa mais espaço para grandes estúdios de cinema, plataformas de streaming e startups do momento.
Se vai dar certo, só o futuro dirá. Ou o passado. Já nem sei mais.