O jornalista Rodrigo Boccardi ancorava mais uma edição do Bom Dia São Paulo, quando um fato curioso marcou o telejornal. Talvez o episódio tenha passado despercebido pelo olhar da grande audiência, mas, certamente, a cena ainda ecoa na lembrança da entrevistada. Era pouco mais de 8h da manhã quando a Secretária Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, Aline Cardoso, apareceu na tela da Rede Globo, ao vivo, para divulgar 900 vagas de emprego oferecidas pelo CATe (Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo). Essa parecia mais uma entrevista corriqueira, focada no serviço de interesse público e nas ações propositivas desenvolvidas pelo órgão. Em outras palavras: nada poderia dar errado.
O script foi seguido à risca. A porta-voz chegou com energia, discurso pronto, segurança e desenvoltura de sobra. A articulação indicava que comunicação era seu forte e todos os temas seguiam um caminho linear, conduzindo a entrevista para um patamar favorável em uma dinâmica que fortalecia a zona de conforto da porta-voz. Bom timbre vocal, entusiasmo e proatividade ao trazer as informações foram aspectos que elevaram a performance. Sem falar no carisma e na interação direta com âncora do telejornal – que estava no estúdio – mas, a porta-voz o chamava pelo nome cada vez que enfatizava algum dado importante. Técnica infalível para gerar conexão e alcançar o interlocutor com afetividade.
Foram nove minutos de entrevista, muito bem explorados, dado a fluidez e o dinamismo da conversa. É possível prever que, por trás das câmeras, a assessora de imprensa estava orgulhosa do desempenho. Afinal, essa era uma oportunidade valiosa para transmitir uma imagem positiva sobre a atuação do poder público e os esforços da prefeitura de São Paulo para reduzir os índices de desemprego. Não há como negar que a porta-voz fez o dever de casa e planejou cada mensagem-chave posicionada na narrativa. Talvez o ‘ao vivo’ não fosse um desafio para a executiva e a câmera tão pouco a intimidava. Porém, ela não contava com um elemento surpresa, que vem transformando a dinâmica do jornalismo global: a comunicação multiplataforma.
É preciso reconhecer que a porta-voz soube apresentar o seu melhor. Escolheu bem as palavras, estruturou uma mensagem informativa, trouxe dados relevantes para a audiência do telejornal, enriqueceu a narrativa mencionando cargos e salários disponíveis para contratação imediata. Ou seja, tudo corria bem. No entanto, tratando-se de relacionamento com a imprensa uma premissa deve ser resguardada: a entrevista só acaba quando termina. Neste caso, a redundância é uma licença poética para esclarecer o óbvio. Imprevistos acontecem.
A porta-voz já havia encerrado a entrevista e câmera mirava apenas na repórter, Fernanda Elnour, que no centro da imagem concluía a matéria e retornava a transmissão para o estúdio. Fora de cena, a sensação de dever cumprido já trazia alívio para a entrevistada. Ela teve a chance única de aproveitar os minutos ouro da audiência matinal da Rede Globo e fez um golaço.
Até que nos 45 minutos do segundo tempo, Boccardi retoma a transmissão do estúdio e alerta que os telespectadores criticavam a inoperância do site. No telão, o apresentador mostra ao vivo as reclamações enviadas pelo Twitter e, imediatamente, acessa o portal para confirmar o inesperado: site fora do ar.
A secretária retorna ao centro da entrevista e busca argumentos numa tentativa ávida de reverter o quadro. “O alto número de acessos pode ter derrubado o servidor”, justificou. Neste momento, a impressão é de que uma outra porta-voz surge na tela. O imprevisto rege suas reações e a postura denuncia desconforto, nervosismo e ansiedade. Um combo perfeito para colocar em xeque tudo o que foi dito anteriormente. Quem poderia prever? Uma reviravolta justamente quando o jogo parecia ganho.
Observamos esse contexto como uma alerta mais do que pertinente para esse novo panorama do jornalismo. Não basta planejar a comunicação, investir no carisma e no poder de síntese. A era multiplataforma chega trazendo ‘red flags’ que precisam ser consideradas dentro do processo de comunicação. Hoje, mais do que nunca, o porta-voz deve exercer a habilidade de lidar com situações que fogem do roteiro. Afinal, não existe jornalismo combinado. O compromisso do repórter é com a sua audiência e a relação com o entrevistado é, unicamente, um canal de acesso a informações de interesse público.
Partimos do pressuposto que a integração da imprensa com as plataformas digitais potencializa a voz da sociedade. A cobrança pela veracidade da informação e a fiscalização dos fatos ocorre em tempo real. E esse é um caminho sem volta. Vivemos na era do imediatismo e, neste cenário, vai ter o melhor desempenho o porta-voz que ampliar as competências de comunicação para driblar contextos desafiadores.
Ter bons argumentos é uma ferramenta chave. Mas, a persuasão vem acompanhada da inteligência emocional, do protagonismo e da coerência. Não menos importante, a credibilidade também caminha lado a lado e é preciso reconhecer que, muitas vezes, ela precede o porta-voz. Entretanto, basta um deslize em frente às câmeras para que toda uma trajetória profissional caia em ruínas. Na equivalência da lógica de que “brasileiro tem memória curta” essa regra não se aplica, pois o Google é uma enciclopédia eficiente em resgatar gafes e trazer à memória reputações abaladas.
O que se aprende nesse ecossistema é que a imprensa não é o único meio que canaliza a informação. O porta-voz que se prepara para conceder uma entrevista está na mira de olhares atentos e de um tribunal rigoroso, que apura a idoneidade da declaração no instante em que a entrevista é transmitida. A exposição midiática é uma faca de dois gumes. Ela constrói reputação e estabelece influência, mas também coloca no centro dos holofotes assuntos que deveriam ser tratados a portas fechadas.
O executivo que sabe as regras do jogo entra na partida com cartas na manga e utiliza a comunicação como uma ferramenta aliada nesse duelo, porque não há jogo ganho. A notícia boa é que a prática leva a perfeição e esse clichê vem aperfeiçoando o padrão de comunicação dos porta-vozes, porque, na teoria, a espontaneidade até é bem-vinda, porém, quando as câmeras estiverem ligadas preparo é mais do que fundamental.