Washington está no palco em Londres

Ciro Reis, Founder & CEO, Imagem Corporativa, Brazil. Global Chair, PROI Worldwide. Board member, International Communications Consultancy Organizaton (ICCO); member, Crisis Communication Think Tank (University of Georgia/US) 20 de maio de 2022
IC

O tradicional teatro The Old Vic em Londres lota todas as noites.

A atração é a peça “47th”, título que faz referência ao quadragésimo sétimo presidente dos Estados Unidos a ser eleito em novembro de 2024. Baseada e romanceada a partir dos desafios recentes da democracia americana a história mostra um Joe Biden (ator Simon Williams) reticente em relação a uma eventual tentativa de reeleição. Longe de sua melhor condição de saúde ele insiste para que Kamala Harris (Tamara Tunie) assuma a presidência e concorra contra um Donald Trump (Bertie Carvel) que busca a volta triunfal ao poder, para isso não hesitando em atropelar aliados e desdenhar dos próprios filhos.

“47th” desenha a aproximação das eleições americanas de 2024 em cenário de caos nacional desencadeado por um irrefreável Donald Trump. Este alterna frases ditas em voz baixa tais como “eu sei que vocês me odeiam” com gritos de guerra em uniforme de campanha que sugerem um gatilho para movimento militar destinado a levá-lo de volta ao poder. Não à toa a invasão do Capitólio por apoiadores de ex-presidente americano em janeiro de 2021 é fartamente referenciada ao longo da peça.

Populismo
O texto coloca na boca do Donald Trump personagem frases que não surpreenderiam se ditas pelo Donald Trump real. Ele se refere a Joe Biden como “mago idoso”, por exemplo. Elogia as visões de Machiavel em “O Príncipe” ainda que reconheça não ter lido a íntegra, mas explica que o livro lhe pareceu grande demais. E arremata: “Mas alguém resumiu para mim e fez todo o sentido”. Mais: depois de detido pela suposta tentativa de golpe militar e já vestindo macacão de presidiário, ele diz que aquela situação poderia lhe trazer benefícios políticos caso as pessoas fizessem uma analogia de sua situação com aquela vivida por Nelson Mandela. E aposta: “Isso pode ser legal”.

A impassível Ivanka Trump (atriz Lydia Wilson) vai passo a passo se transformando de apoiadora incondicional do pai a herdeira da bandeira populista, o que se consolida com a morte do personagem Donald Trump no hospital devido a um acidente de carro após sua saída da prisão. Antes desse desfecho há tempo para diálogo do ex-presidente com uma Kamala Harris transformada em única testemunha dos momentos finais do rival, a quem ela chega a dizer: “Você será ridicularizado quando vier a ser lembrado”.

Sem os limites antes impostos pelo pai a personagem de Ivanka Trump sente-se livre para sugerir, olho no olho, que a personagem de Kamala Harris passará, dali em diante, a ser desafiada por ela, a filha.

Pode-se ver ali uma espécie de previsão: o populismo hoje multiplicado mundo afora não depende apenas de lideranças já consolidadas, pois vai ganhando vida própria, novas roupagens e por isso mesmo não será neutralizado facilmente.

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